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Consciência cultural e histórica são armas contra o tráfico de pessoas

Na tela, uma mulher destemida trabalha de fazenda em fazenda à procura do filho, que pode ter sido aliciado e estar preso em uma rede de escravidão moderna. O filme “Pureza”, do diretor e roteirista Renato Barbieri, se desenrola diante dos olhos de lideranças, empresários e comunidade, marcando os espectadores. Mas o que parecia ser fruto de uma imaginação fértil de roteiristas e diretores, na verdade espelha a história real de Pureza Lopes Loiola, uma mulher simples da cidade Bacabal, no Maranhão, conhecida internacionalmente como abolicionista.  A apresentação do filme, uma das ações realizadas pelo Instituto da Cor ao Caso e pela produtora Gaya Filmes, faz parte do programa “Pureza, Heroína Nacional: a jornada heroica da maior abolicionista contemporânea no combate ao tráfico de pessoas”. A prática tem o objetivo de trazer a conscientização do tema no Brasil.  Vencedor do I Prêmio de Responsabilidade Social do Poder Judiciário e Promoção da Dignidade na categoria “Tráfico de Pessoas”, o programa reúne lideranças, professores, empresas, órgãos públicos e sociedade para debater a transformação social necessária para acabar com a escravidão moderna. O reconhecimento foi uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução CNJ n. 513/2023.  Foto: TJMA “A partir do filme, nossa proposta é que as pessoas conheçam a história de sua própria terra. A luta de dona Pureza deve ser a luta de todos os brasileiros. E ela, que ainda vive em Bacabal, não somente inspira, mas também estimula outras ações para o combate ao tráfico de pessoas e à versão atual de escravidão”, explica a diretora executiva e fundadora do Instituto da Cor ao Caso, Anita Machado.  A pré-estreia do filme “Pureza” foi realizada em maio de 2022 e reuniu não apenas a comunidade local de Bacabal, mas também boa parte do elenco. “Queríamos mostrar que eles mesmos são capazes de fazer coisas incríveis e o exemplo da Pureza arrasta e estimula novas ações em defesa do seu povo”, diz o diretor do filme, Renato Barbieri.  As ações afirmativas foram construídas pensando a partir da lógica de conscientização e do enfrentamento do tráfico humano, de forma colaborativa e interdisciplinar. De acordo com Barbieri, o filme trabalha na consciência histórica e cultural, “principais armas para combater a escravidão moderna”.   Ele defende ainda que essas práticas resgatam o que chama de “Brasil profundo” por meio do impacto social, do empreendedorismo, a partir da história real e os desafios reais do povo. A iniciativa também se concretiza em uma série de ações socioinstitucionais que preparam agentes de transformação em relação ao abolicionismo atual, letramento racial e reconhecimento histórico da atuação brasileira contra a servidão forçada.  Os debates, treinamentos, sessões virtuais e atividades também foram realizados em outras cidades do Maranhão. Para Anita Machado, quando o poder público propõe uma ação afirmativa, como o CNJ está articulando, para preparar negros e indígenas para ocupar a carreira da magistratura em condições de igualdade; ou uma empresa oferece um recrutamento com recorte racial, essa é uma ação transformadora.   “O ideal é transformar a consciência em ação. O que é preciso para que o assunto seja levado para o Pleno de um tribunal, por exemplo? Quando conversamos com lideranças, pode ser que haja uma compreensão na hora. Mas falta ainda abraçar a responsabilidade em transformação real, que gere desdobramento de sensibilização”, afirma a diretora. Ela lembra a queixa de dona Pureza: ela ressalta que conseguiu libertar seu filho, “mas não precisava ter carregado essa cruz sozinha”.  Sensibilização  De acordo com Anita Machado, o programa teve o apoio do Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) e do Ministério Público do Trabalho do Maranhão. Essa participação, segundo ela, permite que as estratégias de enfrentamento ao tráfico de pessoas tenham cada vez mais abrangência. “Essa articulação com o Judiciário é muito importante. Eles têm feito um trabalho de alto impacto e muito importante para nossa comunidade no Maranhão, no enfrentamento aos desafios que envolvem responsabilidade social e dignidade humana”, destaca.   Para Renato Barbieri, o filme tem um impacto social, que mexe com as instituições e os Poderes. “Percebemos que o que mais sensibilizou e tem atuado para pensar soluções é o sistema de Justiça. Especialmente as juízas e desembargadoras, que se mostram mais sensíveis à causa humanística”, pontua. A Justiça do Trabalho também se destaca nesse combate, segundo o diretor, lutando contra a ideia escravagista e reforçando a busca pelo trabalho decente.  Anita Machado lembra ainda que também há um atravessamento racial quando se fala de escravidão. “O Maranhão é campeão nos índices de trabalho escravo. Não se conecta esse trabalho atual com o que tinha antes da “abolição oficial”. Por isso, nosso trabalho é o de letramento, que vai além do ponto de vista histórico do que é o Brasil”. Ela destaca que “racismo se trata de como você é lido pela sociedade e como os corpos sofrem essa percepção. O que muda a atitude é a consciência”.  Para eles, o Prêmio Responsabilidade Social incentiva e fomenta esse tipo de ação. “O prêmio é de todos os que estão envolvidos nesta luta. Se não tivesse gente firme do outro lado, isso não se expandiria”, declara Barbieri.  Apesar dessas iniciativas, os dados mostram um crescimento do trabalho escravo no Brasil e no mundo. Desde 1995, quando o governo reconheceu a existência do trabalho análogo à escravidão e criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que faz parte da Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), já foram resgatadas mais de 63,4 mil pessoas em condições análogas à escravidão.   No entanto, segundo dados da Fundação Walk Free, depois da crise sanitária, o Brasil registrava mais de um milhão de pessoas em situação de escravidão contemporânea. Dados do IBGE mostram que 76% da população em situação de rua no Brasil é de pardos e pretos. Para representantes do movimento PopRua, esse cenário ainda é um reflexo da escravidão vivida no Brasil.  De acordo com o Relatório de Estimativas Globais da Escravidão Moderna da Agência da ONU para Migrações (OIM), em 2021, 50 milhões de pessoas viviam em escravidão moderna, sendo 28 milhões em condição de trabalho análogo ao de escravo, e 22 milhões em casamentos forçados. De acordo com a OIM, a escravidão moderna ocorre em quase todos os países do mundo e atravessa linhas étnicas, culturais e religiosas. Mais da metade (52%) de todo o trabalho análogo ao de escravo e um quarto de todos os casamentos forçados podem ser encontrados em países de renda média alta ou renda alta. A maioria dos casos de trabalho forçado (86%) ocorre no setor privado. Já o trabalho forçado imposto pelo Estado representa 14% do total.   Pureza  Foto: TJMA O filme “Pureza” conta a trajetória da maranhense Pureza Lopes Loiola, que saiu de Bacabal (MA), em 1993, em busca de seu filho Abel, que fora aliciado para trabalhar em uma fazenda, cuja localização era desconhecida. Ela percorreu persos municípios do Maranhão e do Pará, buscando o paradeiro do filho. Ela chegou a trabalhar em fazendas escravagistas e viu a realidade dos envolvidos.   Depois, com o apoio da Comissão pastoral da terra e outras organizações abolicionistas, conseguiu ir até Brasília para falar com políticos sobre a situação. Chegou a escrever cartas a três presidentes – Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco -, com a ideia de que eles pudessem desconhecer a situação.  Depois da exposição de sua história pela imprensa e de ter sido desmentida pelos políticos, ela voltou para as fazendas, a fim de conseguir provas documentais da situação análoga à escravidão. Sua atuação como abolicionista foi reconhecida internacionalmente. Pureza Loiola recebe persos prêmios, entre eles o Heróis no Combate ao Tráfico (Trafficking in Person Report TIP Heroes Award), entregue em Washington em 2023; e o “Prêmio Anti-Escravidão 1997″, uma medalha oferecida anualmente pela Anti-Slavery International, organização não-governamental do Reino Unido.  Texto: Lenir Camimura  Edição: Beatriz Borges Agência CNJ de Notícias    Número de visualizações: 30
24/05/2024 (00:00)
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